Ao apreciar o processo de uma ré presa em Agosto de 2008, portanto na vigência da nova lei de entorpecentes, o magistrado Mauro Moraes Antony, titular da 2a. VECUTE (Vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes) da comarca de Manaus, decidiu, em sentença de Novembro de 2008, pela substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, afastando a vedação legal contante da lei vigente, no art. 44.
A decisão traz alento e esperança para advogados e réus presos não somente no Amazonas mas em todo o país, servindo de Jurisprudencia nos casos similares.
O magistrado fundamentou de forma brilhante em sua sentença:
Ainda:
Abaixo a decisão, especificamente no trecho que aborda o tema, uma verdadeira aula de justiça e de direito.
Ex-positis, por já se encontrar devidamente comprovadas a materialidade da infração e também a autoria com relação ao delito do art.33 da lei 11.343/06 , JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA e condeno a ré MIRIAN CORREA DE CASTRO, às sanções penais do art. 33 caput da Lei de Drogas, na modalidade de TRAZER CONSIGO substância entorpecente.
Destarte, passo a dosar-lhe a pena:
As circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, não são quase todas desfavoráveis a réu, senão vejamos:
Culpabilidade: a censurabilidade do comportamento do acusada é acentuada face à sua conduta de traficância, estando demasiadamente comprovado que a mesma tinha em seu poder determinada quantidade de entorpecente para comercializá-las.
Antecedentes: A acusada é primária e possuidora de bons antecedentes, pois não há nos autos certidão cartorária de que a ré sofreu condenação anterior transitada em julgado.
Conduta Social: poucos elementos foram coletados a respeito da conduta social da acusada, razão pelo qual deixo de valorá-la.
Personalidade: há nos autos poucos elementos sobre a personalidade da agente, pelo qual deixo de valorá-la.
Motivos: a ré estava realmente com sua conduta comercializando as substâncias entorpecentes relatadas no auto de exibição e apreensão.
Circunstâncias: as circunstancias em que ocorreu o crime estão relatadas nos autos não tendo o que se valorar.
Conseqüências: são gravíssimas as conseqüências da infração. Como citado alhures, a disseminação da droga, lesa a saúde pública e por via oblíqua traz dissabores ao seio familiar que passa a conviver com problemas de toda a sorte causado pelo uso de substâncias entorpecentes, por um ou mais de seus membros, normalmente pessoas jovens e adolescentes e até os mais idosos.
Comportamento da vítima: o crime em tela afeta a coletividade, não havendo vítima definida, pelo qual também deixo de valorá-lo.
Principalmente a culpabilidade, os antecedentes, os motivos, as circunstâncias e conseqüências da infração, autorizam a fixação da pena-base no mínimo legal 05 (cinco) anos de reclusão.
Não existem agravantes a serem analisadas. Porém, reconheço a presença da atenuante da confissão ( art.65,III, “d” do CP) e diminuo a pena da acusada em 06 ( seis) meses ficando a mesma em 04( anos) e 06( seis) meses de reclusão.
Não gravitam também causas de aumento. In casu, deve incidir a causa especial de diminuição de pena inscrita no parágrafo 4º do art.33 da lei 11.343/06, pelo que está devidamente comprovado que a acusada não integra a nenhuma “organização criminosa” e nem se dedica a nenhuma “atividade criminosa”, pelo que diminuo a pena em 1/6 ( um sexto) ficando a mesma em 03( três anos) e 08 (oito) meses de reclusão.
Ex-positis, torno definitiva a pena de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias multa, sendo o dia-multa no valor de 10% (dez por cento) do salário mínimo, que DEVERÁ SER CUMPRIDA INICIALMENTE EM REGIME SEMI-ABERTO ( art.33, parágrafo 2º , “b”, do CP).
Dispõe o art. 44 do CP, que, se a pena privativa de liberdade aplicada ao réu não for superior a 04( quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a pena pode ser substituída por restritiva de direitos, desde que o réu não seja reincidente em crime doloso e as circunstancias judiciais ( art.59 do CP) assim autorizarem.
Pesquisando o caderno processual, sem nenhuma controvérsia, a acusada preenche tanto os requisitos objetivos como os subjetivos, para o alcance do benefício, pois, é primária, não tem maus antecedentes, alem do que, para o cometimento do crime em tela não usou de nenhuma violência e nem grave ameaça à pessoa, sem mencionar a ínfima quantidade de droga com ela encontrada. Entendo também que as circunstancias judiciais da acusada, autorizam, sem sombra de dúvida, a substituição.
Porém, o art.44 da novel “Lei de Drogas” veda expressamente a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo que ao acusado seja aplicada pena igual ou inferior a 04 ( quatro) anos, simplesmente por ter o réu praticado o delito sob a égide da nova lei, já que, se tivesse praticado a infração sob a vigência da lei 6.368/76, a substituição seria perfeitamente cabível.
Essa premissa nos leva a seguinte situação:
Este juízo, reiteradamente, tem concedido a substituição da pena privativa de liberdade aplicada ao acusado processado pelo delito tipificado n art.12 da lei 6.368/76, seja ela, igual ou inferior a quatro anos, se o mesmo é primário, possui bons antecedentes e também levando em consideração se é ínfima a quantidade de droga com ele encontrada.
No caso sub examen, se a acusada tivesse sido capturada com 09 ( nove) papelotes de maconha e 16(dezesseis) de pasta base de cocaína e estivesse sendo processada pelo fato ocorrido antes da entrada em vigor da lei 11.343/06, ou seja, no ano de 2005 por exemplo, seria beneficiada pela substituição da pena corporal pela restritiva de direitos, mas, como o mesmo fato foi praticado em agosto do corrente ano, ou seja, após o advento da novel “Lei de Drogas”, fica a ré impossibilitada de fazer uso do benefício por estrita vedação legal. Ora, tratamento desigual para conduta e culpabilidade rigorosamente iguais.
O juiz, como é sabido, é um executor das leis, as quais, de acordo com a Constituição Federal, são elaboradas pelo Poder Legislativo.
A atividade que o juiz desenvolve para aplicação da lei é essencialmente interpretativa, sendo certo que ele deve efetuar tal interpretação observando o disposto em todo o nosso ordenamento jurídico, que é um sistema do qual a lei penal faz parte.
No ápice de sobredito sistema está a Constituição Federal – cujos princípios devem ser observados na elaboração das leis que o formam (sistema) – razão pela qual as leis – sejam complementares, ordinárias ou delegadas – bem como as demais normas previstas em nosso ordenamento jurídico, além de estarem em conformidade com a Constituição Federal, devem ser interpretadas dando-se prioridade aos princípios por ela (Constituição) definidos.
Nesse sentido é a lição de Kelly Susanne Alflen (Hermenêutica e Constituição – publicada no Juris Síntese nº 45 – Janeiro-fevereiro/2004) assim posta:
“Logo, em uma ordem jurídica, deve-se entender, antes de tudo, que a Constituição contém as condições para a efetividade real de importantes institutos jurídico-privados e os protege de uma supressão ou de um esvaziamento por meio da lei, garantindo, orientando e impulsionando o seu desenvolvimento, porque as normas constitucionais, em razão da sua amplitude e generalidade possuem a condição para abarcar de forma mais rápida as transformações dos pressupostos e das exigências do que ocorre no âmbito do direito privado, podendo o direito constitucional, por meio da concretização da norma constitucional, atuar como impulsionador não só da legislação e da jurisprudência constitucional, porém também, da jurisprudência jurídico-privada.
…
Para se conseguir, no entanto, realizar a Constituição, para se cuidar o máximo possível das leis, deve-se, ainda, interpretar as leis com base numa verfassungskonforme Auslegung (interpretação conforme a constituição). Interpretação conforme a Constituição não é interpretação da Constituição, mas a interpretação das leis, como bem explicita o professor C. Stark da Universität Göttingen. A verfassungskonforme Auslegung, é, pois, princípio de importância fundamental para a realização da tarefa jurídico-funcional, porque está assentado, antes de tudo, no princípio da unidade da ordem jurídica, e, por isso, por uma interpretação conforme a Constituição, normas constitucionais são, não só normas de exame, no sentido de examinarem a constitucionalidade de leis, mas também normas materiais por servirem a determinação do conteúdo de leis ordinárias. Por causa dessa unidade, leis (promulgadas sob a vigência da Constituição) devem ser interpretadas em consonância com a Constituição, e o direito que continua a viger de época anterior, deve ser ajustado à nova situação constitucional e, desta forma, pode-se falar em desenvolvimento do direito. Porém, isso não significa que interpretação conforme a Constituição seja contra texto e sentido ou contra o objetivo legislativo, possível.
Na verdade, uma interpretação conforme a Constituição encontra nisto seus limites, no texto e no sentido legal claros sem poder prescrever um sentido contrário à lei, pois, por uma parte, a interpretação conforme a Constituição não consiste tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normas de qualquer preceito o que seja mais conforme a Constituição, porém, em discernir neste limite, um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível em virtude da força conformadora da Constituição. A norma não pode ser interpretada de forma a ser determinado, por interpretação, um novo conteúdo normativo ou de forma a não encontrar o ponto essencial no objetivo legislativo. O texto constitucional, de origem histórica, permite, em realidade, a realização de uma coesão completa das regulamentações correspondentes e do sentido e objetivo, não obstante diversos pontos de vista, direcionar, pelo princípio da interpretação conforme a Constituição, decisão por decisão a um resultado constitucional, do qual decorre, pois, o princípio de interpretação constitucional pelos tribunais.” (os destaques são meus.)
Desse entendimento não destoa Gisela Maria Bester (Direito Constitucional – Volume I – Fundamentos Teóricos, Editora Manole, Barueri – São Paulo, 2005, páginas 154-156) que sobre a matéria assim ensina:
“Para falarmos em interpretação do Direito como um todo, há que se destacar primeiro a supremacia da Constituição, princípio que emana da rigidez constitucional, sendo que esta, por sua vez, decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Sendo a Constituição a norma suprema, é ela quem fornece a direção a toda a interpretação que se faça a respeito de qualquer norma no ordenamento jurídico, invocando a idéia de parametricidade, a ser desenvolvida nos capítulos sobre o controle da constitucionalidade.
…
Konrad Hesse leciona que a interpretação “tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição”, isto porque, “a interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma”. Logo, a interpretação é o valioso instrumento que deve otimizar a efetividade de todas as normas, tanto infraconstitucionais quanto constitucionais.”
Nominada autora (obra citada, páginas 174-175), louvando-se nos ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, leciona que a Constituição deve ser interpretada sistematicamente, devendo ser observados, entre outros, os seguintes princípios: a) da unidade da Constituição, pelo qual as normas constitucionais devem ser estudadas de modo integrado, como componentes de um sistema unitário de regras e princípios, e não isoladamente, para evitar contradições na interpretação efetuada; b) do efeito integrador, pelo qual a Constituição deve ser interpretada de modo a dar primazia aos critérios ou ponto de vista fornecedores da integração política e social, visando redundar na unidade política; c) da máxima efetividade ou eficiência, pelo qual se deve atribuir o sentido que maior eficácia ou efetividade empresta às normas constitucionais sob análise; d) da força normativa da Constituição, pelo qual o intérprete deve privilegiar, dentre as diversas soluções, aquelas que densifiquem as normas constitucionais, tornando-as eficazes e permanentes e; da interpretação conforme a Constituição, pelo qual o sentido a ser dado pelo intérprete às normas infraconstitucionais polissêmicas ou plurissignificativas é o da compatibilidade da Constituição e não o do conflito com ela.
Assim, aplicando-se o ultimo princípio citado alhures, não há a menor dúvida, que o Direito Penal Pátrio tem que ser analisado em estrita consonância com a Carta Magna de 88 e os princípios que dela emanam. Entendo que a vedação expressa contida na novel Lei de Drogas, fere os Princípios Constitucionais da “Individualização da Pena” ( “a lei regulará a individualização da pena” – CF art.5º , XLVI , enquanto que o art.59 do Codigo Penal determina que o juiz estabelecerá, conforme seja suficiente para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas, a quantidade, o regime inicial e a substituição da reprimenda corporal por outra espécie de sanção cabível) e também da “Proporcionalidade”.
Sobre o este último é de bom alvitre fazermos algumas considerações:
O princípio da proporcionalidade insere-se na estrutura normativa da Constituição, junto aos demais princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais e infra-constitucionais. Uma vez que uma visão sistemática da Constituição permite-nos auferir sua existência de forma implícita, deverá guiar o magistrado na interpretação e o legislador na elaboração de normas hierarquicamente inferiores, não obstante não se encontrar explicitamente delineado.
O princípio em estudo apresenta-se como uma das idéias fundantes da Constituição, com função de complementaridade em relação ao princípio da reserva legal (artigo 5o., II). Esta afirmação deve-se ao fato de que a ação do Poder Público deve ser conforme a lei formal, e que esta deve ter como parâmetro a proporcionalidade, pois o legislador não está liberto de limites quando elabora as normas, mormente quando estas tendem a reduzir a esfera de algum direito fundamental. Uma vez que o princípio da legalidade tem como um de seus aspectos complementares e essenciais à sua efetiva observação o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5o., XXXV), mister é notar que este se aplica a qualquer ato praticado pelo poder público que seja considerado por aquele a quem prejudica como desproporcional ao objetivo almejado.
Conectam-se também ao princípio ora abordado, regendo sua aplicação, o princípio republicano (artigo 1o., caput), o princípio da cidadania (artigo1º, II) e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1o., III). Os direitos e garantias individuais que deles decorrem (artigo 5o.) representam formas para o particular se defender sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer lesão de algum direito por abuso de poder ou ilegalidade praticados por agentes públicos. Os institutos do habeas corpus (artigo 5o., LXVIII), mandado de segurança (artigo 5o.,LXIX), habeas data (artigo 5o., LXII), assim como o direito de petição (artigo 5o., XXXIV, a), constituem subsídios de proteção do cidadão face ao poder público.
Ao afirmar que todo homem possui uma esfera intangível de direitos, decorrentes somente de sua existência enquanto ser da espécie humana, a Constituição garantiu devam todos os cidadãos ser tratados de forma eqüitativa, o que pressupõe, para além da igualdade formal, tratamento diferenciado buscando adequar a lei às necessidades e peculiaridades de cada um. O princípio da proporcionalidade tem, portanto, papel indispensável na consecução de um dos principais objetivos do Estado brasileiro, qual seja, “reduzir as desigualdades sociais e regionais”, consoante letra do artigo 3o., III, de nossa magna Carta. A proporcionalidade é, por conseguinte, idéia ínsita à concepção de estado democrático de Direito ( CRFB/88, artigo 1o., caput).
O princípio da proporcionalidade, encontra-se concretizado em diversas normas de nossa Constituição, conforme ilustração que se segue.
Em relação aos direitos e garantias individuais, no inciso V do artigo 5o., que constitucionaliza o direito de resposta proporcional ao agravo. Em sede de Direito Penal, (objeto da presente decisão) ao garantir a individualização das penas (artigo 5o., XLVI, caput), está implícitamente garantido que estas serão proporcionais ao delito cometido.
Uma vez abordados alguns exemplos de elaboração de normas que com maior clareza mostraram a presença do princípio em estudo na Constituição de 1988, cumpre lembrar que, em se tratando de princípio geral de direito, não está adstrito a atuar nas esferas acima elencadas. Ao revés, norteia a hermenêutica da Constituição em sua totalidade e, logo, permeia a interpretação de cada uma de suas normas.
A inobservância ou lesão a princípio é a mais grave das inconstitucionalidades, uma vez que sem princípio não há ordem constitucional e sem ordem constitucional não há democracia nem Estado de Direito. Portanto, o princípio da proporcionalidade é direito positivo e garantia de respeito aos direitos fundamentais, fluindo do espírito do §2o. do artigo 5o., o qual, consoante palavras do eminente professor Paulo Bonavides, “abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável da unidade da Constituição.”
Mesmo com a proibição expressa do art.44 da Lei 11.343/06, deve-se interpretar a norma e a disposição expressa nela contida num cotejo sitemático com os princípios contemplados na Constituição da República, assim seria perfeitamente cabível a substituição da pena corporal por restritiva de direitos, aplicando-se in casu o princípio da proporcionalidade.
“É cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, no caso de tráfico de lança-perfumes, por decorrência da aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade na individualização da pena”(TRF – 4º R.- Ap.Crim.2000.04.01.010294-2 – Rel.Des.Fed.José Luiz B.Germano da Silva – DJU 07.11.2001, p.834)
Em sede de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito no delito de tráfico de entorpecentes, entende este magistrado que cada caso tem que ser analisado isoladamente, ficando a substituição adstrita as hipóteses elencadas no art.44 do CP e, como citado alhures, o acusado também seja primário e de bons antecedentes e a quantidade da droga apreendida autorize a substituição, pois o benéfico reside na presença de critérios subjetivos.
“O direito a substituição é subjetivo do condenado que preenche seus requisitos legais, quanto à quantidade da pena e ao tipo do crime (requisitos objetivos) e quanto à reincidência e as condições pessoais do art.59 do CP( requisitos subjetivos): Torna-se obrigatória a substituição de penas privativa de liberdade por uma das restritivas de direitos, quando o juiz reconhece na sentença as circunstancias favoráveis do art.59”.(STJ – Resp 67.570 – Rel.Min. Costa Leite – DJU 26.08.1996, p.29.730)
Logicamente, não é permitida em hipótese alguma a substituição, ao traficante contumaz, aquele que vive do comercio da droga e comanda organização criminosa, como o famoso “Fernandinho Beira Mar”, pois logicamente as circunstancias do art.59 do CP não autorizam, aí sim reside a intenção do legislador. O mesmo não se pode dizer com relação a ora acusada, são situações totalmente antagônicas.
Neste diapasão, trago à lume o ensinamento do Mestre Paulo Queiroz , professor do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) e Procurador Regional da República:
“Como é sabido, a nova lei de drogas (Lei n° 11.343/2006), diferentemente da lei anterior (Lei n° 6.368/76), proibiu, expressa e terminantemente, quanto ao crime de tráfico e equiparados, a substituição da pena de prisão por pena restritiva de direito, além de considerá-los inafiançáveis e insusceptíveis de sursis, graça, indulto etc. 1(art. 44).
Quanto ao crime de tráfico (art. 33), a vedação seria desnecessária, em virtude da severidade da pena mínima cominada, não fosse a possibilidade de aplicação de pena inferior a cinco de reclusão, admitida na forma do §4° do referido artigo. Quanto aos crimes dos arts. 34 a 37 (exceção feita ao financiamento do tráfico previsto no art. 36, que comina pena mínima de oito anos de reclusão) equiparados ao tráfico, cuja pena mínima é, respectivamente, de três e dois anos de reclusão, não haveria em princípio obstáculo à substituição, se a pena aplicada não excedesse a quatro anos (CP, art. 44, I).
Presume-se que semelhante vedação pretendeu realmente inviabilizar jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que se consolidava no sentido de admitir, na vigência da lei revogada, a possibilidade de substituição da pena de prisão por pena restritiva de direito.
Que o legislador ordinário podia estabelecer novos parâmetros de pena, bem como vedar a substituição da pena de prisão por pena restritiva de direito, parece fora de dúvida. Com efeito, se podia o mais (criminalizar/descriminalizar, penalizar/despenalizar), podia o menos: proibir a admissão de pena não privativa da liberdade para os crimes mais gravemente punidos, em especial, o tráfico, por se tratar de crime assemelhado a hediondo, se bem que os argumentos utilizados pelo STF para declarar a inconstitucionalidade da não progressão em crimes hediondos parecem valer também aqui.
Mas isso não impede que o juiz, senhor que é da individualização da pena, de dar à nova lei interpretação conforme a Constituição, tomando como parâmetro a legislação infraconstitucional inclusive, especialmente o Código Penal.
Com efeito, não parece razoável que sentenciados por crimes de tráfico e similar não tenham direito à substituição, enquanto outros condenados por delitos tão ou mais graves (v.g., peculato, concussão, corrupção passiva, crime contra o sistema financeiro) possam fazer jus ao benefício. Note-se, aliás, que o condenado por este e outros crimes (de dano, e não de simples perigo, como é o tráfico), a exemplo do homicídio culposo, tem em tese direito à substituição, apesar de se tratar de crime contra a vida, e, pois, mais grave, desde que a pena não seja superior a quatro anos, diversamente do condenado por tráfico à mesma pena ou a pena inferior a quatro anos, que não faria jus ao benefício. Ora, é evidente que semelhante tratamento ofende o princípio da isonomia, sobretudo porque o critério de aferição da maior gravidade do crime (desvalor de ação e resultado) e, portanto, da condenação, é essencialmente formal: objetivamente, a pena cominada ou imposta; subjetivamente, a existência ou não de antecedentes.
Logo, não faz sentido, por exemplo, que duas pessoas, igualmente primárias e sem antecedentes, que cometam crime sem violência ou grave ameaça à pessoa, sofram a mesma pena (digamos, dois anos de prisão), mas tenham tratamento sensivelmente desigual: uma fará jus à substituição e a outra não, só por ser tráfico de droga o seu crime e, pois, existir vedação legal no particular. Note-se que o crime do beneficiado pela substituição poderá ser eventualmente hediondo inclusive (v.g., falsificação de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais), a demonstrar, ainda mais contundentemente, a violação ao sistema de valores e princípios constitucionais.
Portanto, não parece justo ou razoável, nem conforme os princípios de proporcionalidade, individualização da pena e isonomia, que o juiz, ao condenar o réu por crime de tráfico a pena não superior a quatro anos, não possa substituí-la em virtude da só vedação legal, mesmo porque a missão do juiz já não é mais, como no velho paradigma positivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas sujeição à lei enquanto válida, isto é, coerente com a Constituição (Ferrajoli). O juiz não é a boca que pronuncia as palavras da lei, como pretendeu Montesquieu.
Parece-nos enfim que, apesar da vedação legal do art. 44 e 33, §4°, final, ao juiz é dado substituir, fundamentadamente, a pena de prisão por pena restritiva de direito, desde que as circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao réu e a substituição seja socialmente recomendável, nos termos da lei e do Código Penal (art. 44), por ser a legislação penal fundamental.”
Outro também não é o posicionamento de Gilberto Thums e Vilmar Pacheco na novíssima obra “Nova Lei de Drogas- Crimes, Investigação e Processo”, Ed. Verbo Jurídico -2º Edição:
“Nas edições anteriores do nosso livro sobre drogas, defendemos a possibilidade de o magistrado substituir a pena de privação em restritiva de direitos. Porém referíamos a situações excepcionais e fundamentávamos na necessidade de interpretação e análise individual de cada caso, evitando-se, assim, a equiparação de todos os agentes a traficantes que vivem da mercancia da droga. Exemplificávamos no caso da mãe que auxilia o filho tetraplégico a usar droga, bem como dos pais que deixam o filho fumar maconha em casa, que eram considerados crimes de tráfico de drogas e eram previstos respectivamente, no art.12, parágrafo 2º , inciso I e II da lei 6.368/76, que previa pena de 03 a 15 anos de reclusão e multa.
Nosso entendimento, quase isolado, com o passar do tempo, passou a ser adotado pelos tribunais do país inteiro, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Hoje a Nova Lei de Drogas, no art.44, veda a substituição para os crimes dos arts. 33 caput e parágrafo 1º , 34,35,36 e 37, corroborando o que já dispôs no art.33, parágrafo 4º , o que demonstra bem o intuito do legislador. Porém, entendemos que não há razão para que o julgador fique adstrito ao rigor formal da norma, pois a letra fria da lei não pode ser superior a todos os mais basilares princípios e institutos jurídicos- penais, ainda mais quando garantidos na Constituição Federal.
Assim , mesmo que o legislador vede a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, defendemos que o julgador continue aplicando a substituição quando presentes os requisitos do art.44 do Código Penal, quais sejam, crimes cometidos sem violência e aplicação de pena não superior a 04 anos”
No direito penal moderno já não faz sentido analisar as normas de Direito Penal do ponto de vista meramente formal. Parafraseando o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, “a pena não pode ser identificada como mero carimbo que o alfaiate coloca na roupa confeccionada, como se o condenado fosse mero manequim”.
Assim por todos os argumentos e fundamentações alhures, substituo a pena privativa de liberdade de 03 ( três) anos e 08(oito) meses de reclusão aplicada a ré MIRIAN CORREA DE CASTRO , por 02 (duas) penas restritivas de direito, todas as 02 (duas) na modalidade de Prestação de Serviços à Comunidade.
Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos à VEMEPA para aplicação e controle das penas restritivas de direito aplicadas ao acusado.
Expeça-se o competente Alvará de Soltura, colocando a ré incontinenti em liberdade “se por all não estiver presa”.
Com relação à droga apreendida proceda-se na forma do que dispõe o art.32 parágrafos 1º e 2º da novel Lei de Drogas. Providências de praxe.
Decreto a perda dos bens apreendidos, se houver, nos termos do art.63, § 1º da lei 11.343/06.
Adotem-se as providências ao cumprimento do art.58, § 1º da mesma lei .
Custas processuais na forma da lei.
Após o trânsito em julgado da presente decisão, tome-se as seguintes providências:
1. Lance-se o nome da ré no rol dos culpados.
2.Em cumprimento ao disposto no artigo 72, parágrafo 2º do Código Eleitoral, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Amazonas, comunicando a condenação do réu, com sua devida identificação, acompanhada de fotocópia da presente decisão, para cumprimento do disposto no art.15,III da Constituição da República.
P.R.I.C.
Manaus, 28 de Novembro de 2008.
MAURO MORAES ANTONY
Juiz de Direito titular da 2a. VECUTE
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